Charneca!
Pela agreste que nos ouvidos, soa plena de aridez e de rudeza.
Lembra a secura da Planície.
A amargura insipidez de tanto quadro semelhante.
Charneca!
Charneca lembra a terra dura.
O campo ressequido ao sol ardente.
A campina a desbroar-se em ermo e solidão.
Charneca!
Lembra o silêncio perturbador do descampado.
O pavor da distância indefinida.
A monotonia da planura sem fim.
Charneca!
Lembra a natureza impregnada de mistério,
criando em nós a magia da amplidão a da quietude.
Charneca!
Lembra a vastidão do mar. A turva imensidão do mar!
Mar a que não faltam ondas,
quando a ventania corre, à deriva, pelas searas.
Charneca!
Lembra a aspereza dos cenários.
Rudes cenários, em que, fatidicamente,
mourejam tantas almas simples -
- gente que tem a vida na vida da própria terra.
Charneca!
Lembra a alma impressionante dos "montes",
habitações qgachadas, espalmadas nas Planície!
Casas pequenas, onde, à noitinha ,
se recolhem famílias que labutam,
uma vida inreira,
nos campos incomensuráveis.
Charneca!
Lembra o suplícido do arvoredo.
A dor marcada nos retorcidos troncos dos místicos sobreiros.
Solitários monges da Charneca!
Monges martirizados que parecem fitar,
de braços entrelaçados e resignados,
a curva azul do céu,
- "gritando a Deus - como diria Florbela -
a bênção de uma fonte!"
Charneca!
Lembra o olhar infinitamente nostálgico
e extático dos bois.
O olhar lânguido e mormo que eles entornam
pelas imensas várzeas ondulantes.
Charneca!
Lembra os montados. as manadas. Os rebanhos.
Lembra os pobres ganadeiros
que vêm nascer e morrer
gerações de animais
que se habituaram a estimar
HOMENS que se esquecem de tudo à sua volta,
dos dias da semana como os meses do ano,
sabendo apenas em que altura cai
o S. Miguel ou o S. Mateus,
porque o patrão lhes dará um fato novo..................
in "HORÁCIO NOGUEIRA - HÁ VIDA na CHARNECA" - 1956